quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Fresco de peles rasgado
Na parede do teu olho pardo
Afixado com orgulho mesclado de gritos.

O sangue escorreu de noite
Pelos ventres das virgens secas
Anunciando a vinda de outras pragas
Surdas, cegas, mudas,
Arrepiantes.

Os homens saíram correndo
A procurar o fogo
Para queimar, para afugentar as bestas do mundo.

Nas casas as velhas carpindo
O susto tremendo que se havia erigido
Cortando as vestes de negro tingido
Bramiam os clamores das almas que haviam fugido.

As crianças derramaram o leite
No joio no chão
E dali nasceu a árvore da tentação
Soprando o vento e aclarando o sol
Raiando ao longe
Sem vontade de iluminar o céu.

Era manhã sangrenta
Banhada a nevoeiro e a carvão
E as cinzas pintavam todos os caminhos
Apagando as estradas, os ermos, os corpos
Que foram deixados curiosamente prostrados em circulo.

E em volta da vida surgiu destemida
Uma mulher branca,
Branca quase vazia
Que cantava gelidamente
O fim da tirania.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Galeria

Helena,
Porque atiraste as flores ao mar?
Porque te fizeste muda
Durante tantos séculos?

Roubar teu coração seria difícil.
Serena, não cantaste mais
Os encantos tais do teu amor.

Helena,
Eras esbelta e as tuas palavras
Incendiavam as salas
Onde pisavas com teus pés
O orgulho ferido dos homens que não podiam ter-te.

Vi-te um domingo
Sentada num banco
Cabisbaixa,
Olhando para o chão,
Imóvel, intacta
Quase estátua.
Chovia pesarosamente na tua cabeça
Farta de cabelos negros.

A chuva trespassava-te a alma
Gota a gota
Recordavas os teus pecados
Vezes e vezes sem conta
Passados a pente fino no teu pensamento.
Não falámos,
Fiquei mudo de paixão.

Onde estás tu agora?
Porque atiraste as flores ao mar,
E foste nadar nua de desejos?
Desejo ardente pela morte,
Que sem sorte nunca pôde colher-te.

És imortal Helena.
Não sais daqui.
Este mundo há-de engolir-te
E regurgitar-te em seguida,
E assim sucessivamente,
Neste ciclo sem fim.

Em tempos quiseste tudo,
Reluzias no mar alto,
Todos te desejavam,
Todos te admiravam,
E agora Helena?
Porque queres a bruma
E o frio da madrugada?
Porque queres ficar isolada
Nessa ilha de mágoa?
Porque atiraste as flores ao mar?
Porque foste encontrar em ti
O lado mais pesado
Desse olhar?

Vi-te num domingo,
Por entre as cordas de uma guitarra,
Gemendo,
Ao te encontrares
Entre o fio de uma navalha e o brilho do luar.
Não vês que és imortal?
Para sempre vais ser Helena.

Então, diz-me, porque atiraste tu as flores ao mar?



inspirado na "Helena Aquática" de Filho da Mãe.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Mapas

Num dia que tenhas tempo
E partas comigo sem destino
Num dia em que o sol nos sopre na cara
E o vento nos ilumine.

Num dia em que todos estejam a dormir
Pela calma da tarde
E sob as estradas errantes
Se vejam ondas de calor.

Num dia em que o silêncio
Mais profundo seja o de nossos corações
E as respirações do mundo
Estejam guardadas bem fundo
Naquilo que levamos para recordar.

Num dia em que me dês a mão
Sem outro intento
Sem malas, sem bagagens
Ao sabor do vento,
Para nunca mais voltar.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Não sei mais falar das coisas
Que passam por dentro de mim,
Não sei mais descrever as nuvens
Aglomeradas no céu,
Ou as copas das árvores fugindo
Ao sabor da velocidade eufórica da partida.

Sinto o que não senti nunca,
E os meus olhos enchem-se de lágrimas,
Porque a verdade deixou-me a descoberto,
Porque a verdade revelou
Que eu sou tua.

Não sei mais escrever sobre mim,
Não tenho coragem de rebuscar no passado
Aquilo que quero sentir no futuro,
Porque o presente para mim és tu
És tudo.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Esquecer


Se fosse verdade
A água nas janelas
As flores nas lapelas
A madrugada na tua rua
Branca e despida
De sentidos

Se fosse verdade
Nos teus abraços
A amizade sincera
A devoção amena
Que dás aos ventos

Se fosse verdade
A tua voz grave
No meu ouvido
O teu rosto sincero
Contra o meu

Se fosse verdade
O que vivemos
O que dizemos
O que ignoramos.

Se fosse verdade
A chuva que mata
O vento que me empurra
Para a ruína

Se fosse verdade
A minha mente
Esquecer-se de si
E deixar-se guiar
Pelo mar

Se fosse verdade
O passado apagava-se
Com um suspiro
Do coração

Se fosse verdade
Era eu
E mais ninguém
Era eu
Sem temer
Era eu
Forte e erguida
Sobre o astro
Da tua boca
E mais ninguém.

Se eu soubesse
Se eu quisesse
Se fosse verdade.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Infinity




I felt the blank orbiting around me

Like poison deleting me.


I’m nothing now,

A vacuum in white,

A whisper lost in time.


Everything inside me went away,

Floating through my eyes,

And my ears,

And my mouth.


Old tears and memories came along,

Old songs echoed.


I feel like I’m losing myself again in the light,

My body runs over my mind

And I try to reach reality one last time.

quarta-feira, 13 de abril de 2011


Sometimes we close our eyes and breathe the ancient winds. We paint our bodies blue, climb to mountains high, screaming the names of our heroes.

Sometimes we get our faces so close and without blinking our eyes we try to catch each other memories.

Sometimes we take ourselves to nowhere, embracing future as chaos rearranges our hearts.

sábado, 2 de abril de 2011

Ficar

Valha-te o corpo sedento
E a destreza do ser
Que és
E que dá o que dás.

Valha-nos a misericórdia sublime
Das horas que passam vagarosas
Do destino que insiste
Cuspir-nos na cara.

A tempestade aproxima-se
E tu estás só.

As linhas traçadas
No chão, na terra infértil
Tornam-se cada vez mais difíceis
De decifrar.

Quem te mandou pôr o pé
Na boca do inocente?

Quem te mandou calar com beijos
O frágil desejo
Ateando um fogo em tudo incontrolável?

Quem te mandou tapar com o silêncio
A verdade
Que mais tarde será descoberta?

A tempestade aproxima-se
E tu estás à deriva.

Valha-te a estrela que te guia
Bem ou mal
De noite e de dia
Até ao abismo insolente
Do amor.

Valha-te as mãos gastas
De carícias
Que teimam em te agarrar
Por enquanto...

Enquanto tudo é belo
Enquanto tudo é tremendo
Enquanto a tempestade
Não cai.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Fidel



Tenho no sangue fervente
Uma mágoa
Pequenina
Cada vez que me assombras
De noite.

E levanto-me a meio do sono
Procurando água
E prados verdejantes
Para descansar o coração
De que estou a caminhar
Na direcção correcta.

As nuvens ao largo da cama
Quase tapam a luz da lua
E não consigo enxergar mais a tua face
Nem vibrar nos teus dedos singelos.


Com a tempestade
Caindo sobre as flores
E sobre as bestas
Dou por mim a fazer as malas
Querendo fugir de ti.

Não parecendo querer apagar-te
Pois a ti pertenço,
Vou-me entregar ao mar
Vou salgar os meus cabelos
E ficar por lá, longos anos
Agarrada ás areias queimadas
Pelo sol de outro amor.

terça-feira, 15 de março de 2011

O que ninguém faz por ti.

Sabes não sabes?
Diz-me lá...
Eu preciso saber se sabes aquilo que sinto.
Aquilo que sentimos todos, juntos.
Sem merdas,
Diz-me de uma vez por todas
As razões,
As confusões que te levaram a ser
Um verdadeiro cabrão.
Será que ainda és?
Porra, levanta-te do chão
Pára de escrever no asfalto
Que a tua dor não te deixa levantares-te
E caminhar para a liberdade.
Levanta-te, faz-te à vida,
Faz-te um homem.
Não fujas mais,
Fugir é a opção mais fácil,
O começar de novo
É a solução mais simples.
Enfrenta o monstro que é o teu passado
Enfrenta com palavras,
Enfrenta-te,
Em vez de continuares a rebolar
De vagina em vagina
De tormento em tormento
Achando que isso te livra
Do teu pecado violento.
As coisas não se esquecem
A vida não se apaga,
Está sempre lá
Para nos lembrar aquilo que somos no agora,
Aquilo em que nos tornámos,
Nos lapidámos.
Não vais esquecer,
Nem eu.
Mas não mais podemos viver agarrados
Ao podre odor que emanamos,
Ao putrefacto amor que exultamos
Em silêncio, na solidão dos nossos lençóis.
Eu sei que não tenho limites,
Que muitas vezes as minhas palavras
E os meus actos fizeram explodir em ti
Gestos egoístas, derrotistas, maldizentes,
Mas está já tudo tão longe,
Tão para lá do horizonte.
Deixa-me ir,
Não penses mais em mim
Na praia ao teu lado,
Dançando contigo na cozinha
Fazendo o jantar,
Nem nas minhas pernas,
Muito menos no meu rabo,
Já não te pertencem.
E muito menos a minha mente,
O meu coração
O meu sentir.
Por muito fraca que eu seja,
Por muitas desistências que faça ao longo do caminho
Não vou voltar para trás,
Não vou olhar sequer para trás,
Como já fiz vezes antes,
Onde tudo o que recebi
Foi uma foda no carro,
E um adeus a seguir
Cheio de sangue, suor e lágrimas
Mãos trementes
E ventre humilhado.
Não, tivemos tantas maneiras de nos fazermos felizes
Mas por orgulho ou por preconceito
Não baixámos as guardas.
Agora basta,
Deixa-me ir.
Não penses em mim.

quinta-feira, 10 de março de 2011

New Theory

Your choice was right
No chance to be there now
I swear I'm done
You'll want to leave your path
It's yours to find
It's all you've ever done
You're falling down
You'll falling down to us.

W.

quarta-feira, 9 de março de 2011

The spell of the drowsy drug.


Agarram-me os laços
As luzes néon inundam-me os olhos de lágrimas
O fumo dos cigarros perfuma o ar que eu sinto leve
Ao ritmo dos tambores deixo correr o meu sangue
Com movimentos graves sinto
Todos à minha volta
Num serpentear de invejas
De ódios
E eu sorrio no meio
Porque penso em ti.

Ele olha-me
Eu quero que ele me inunde a mente
Como tu fazes
Porque ele é quente,
Mas foge de mim
Nem sabe falar comigo
É distante
E não chega a tocar a tua essência.

Substitutos,
Não existem aqui
Tudo está viciado
Descontrolado
Jorram sangue nas ruas
Nas esquinas
Com as bocas cheias de espuma
A salivar de raiva
Jorram carícias
E infidelidades
Porque ninguém sabe amar.

Estão todos insatisfeitos,
E eu estou sedenta por te abraçar,
Por tocar a tua pele dourada
Beijar teus olhos azul cantábrico
Fazer-me tua,
E o tempo não chega,
As horas não passam,
A Primavera não vem.

Quero agarrar-me a mim
Não me deixar cair
Quero prender-me a ti
Não te deixar fugir
E muito menos deixar de sentir
Aqui dentro
A força do inatingível,
A força do inexplicável
Mundo novo que poderemos ser.

E se o tempo parar
Ao menos continuo aqui
No meio, dançando
Ao sabor da esperança
Desejando que num instante
O tempo avance
E te traga até mim.

sábado, 5 de março de 2011

Pertenço ao ciclo dos cegos
Não vejo o que me rodeia
Não te sei mais a cor.

Não vês o meu esforço em acreditar-te
E a minha mente viola
A tua nova arte.

Medes-te em palmos
Como nenhum outro homem se mediu.

Ficas no limiar
Da corrupção barata
Da insensatez volátil
Que me prende a alma.

Minuto sim minuto não
Vais-te perdendo na imensidão da minha memória
Quando a nossa história deveria ser interminável.

Basta,
Já chega de te chorar
Não hás de vir
Nem hás de voltar para mim.

Não foste passado
Nem futuro
Não chegaste a me encontrar.

Ficaste preso
Ficaste mudo
Não cantas mais o hino surdo
Do amor incondicional
Jogas ainda no meu corpo
O desafio morto e carnal.

Quero-te, porque não consigo querer mais nenhum outro
E esvazio-me de mágoas
Quando escrevo
Quando me solto do sufoco
Que é saber que és
Não de mim
Mas do mundo.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Hora In Veja




Não vou a lado nenhum
Não avanço
Nem por mim
Nem por nada
Sou pedra
Alma penada
Não tenho mãos que me agarrem
Não tenho lábios que me atinjam
Por mais que eu queira ser tocada
Nada me toca
No intimo.
Estou aqui
Sou evidente
Sou frágil
Corpo celeste
Que se entrega
Ao licor ardente
Das palavras
E vivo assim descontente
Sem saber o porquê
Demente
Sem saber quando
Vou dar o primeiro passo
Para chegar ao fim.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011


Não alimentas a fogueira
Não atiras para o céu o teu fulgor
Então, como posso eu caminhar todos os dias
Levantar-me e ser o que não quero ser?
Não estou com força,
Outra vez,
Nunca há ninguém que me carregue.
E o implacável mundo subjectivo
Não chega,
Não serve.
Tu servias, se me beijasses todos os dias
Com um único beijo
Com uma única palavra.
Mas queres dançar sozinho
A dança que eu pensava
Quereres dançar comigo.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

No Man's Land

Caminhei assombrosamente sobre as brasas
Queimando a minha alma
Queimando os meus lábios
As minhas mãos ao rastejar
Lentamente
Até atingir a noite densa e quente.
As minhas ancas ao sabor do vento
Os meus cabelos desalinhados
De solidão.
Dancei na rua vazia
Ao som dos clamores ébrios
Sobre o ritmo insípido do meu coração.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Enquanto dizes Não.



De olhos fechados
Senti-a a tua língua roçar o meu pescoço,
A tua boca junto ao meu ouvido
Soltando as palavras que chamámos nossas
Em bafos lentos
Que me faziam gelar o corpo,
Desde a nuca até ao clitóris.

De olhos abertos fitava o céu
E deixava entre as minhas pernas
Rolarem os teus dedos,
Molhando-me de desejo,
De vontade
Que entrasses no meu corpo
E me fizesses tua.

De olhos fechados
Perdida no negrume,
Soltei sem querer um gemido
Quase parecido com o teu nome.
E a tua outra mão jogou-me forte
Contra o teu peito suado.

Embatemos um contra o outro
Cheia de fúria de me teres acordado
Sedenta por teus beijos envenenados
Ergui o meu corpo nu,
Agarrei-te e prendi-te com as minhas pernas.

Brinquei contigo,
Lambi-te,
Ri-me dos teus ruídos,
Fiz-te louco, para depois me render
E olhar-te nos olhos,
Enquanto te fazia entrar em mim,
Lenta e deliciosamente
Nervo a nervo.

De olhos fechados,
Deixei que o teu calor me percorresse,
Deixei que me segurasses as ancas frias
Com as tuas mãos quentes e molhadas,
Juntei os meus seios ao teu peito
E fiz-te meu,
Na minha dança egoísta
De te querer sentir
À minha maneira.

A tua voz ecoava na minha mente
O teu corpo respirava o meu
E o meu desfazia-se em água
E o teu em licor
Adocicado,
Na saliva e no esperma.
Davas-me o gemido
Davas-me as lágrimas de prazer
Davas-me a morte
Davas-me o teu ser.

De olhos abertos
Olhava o teu perfil belo
Em contra-luz
Recuperando o fôlego.

De olhos fechados, sentia-te depois
Bem junto a mim,
Fundindo o teu corpo no meu,
Para cairmos no silêncio da noite
E dormirmos ao relento.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Cé Rosé



Promete me o mundo
Promete me a terra ideal
Onde os dias são como queremos
Em que comandaremos
A chuva e o sol e o vento.

Promete-me que a verdade
Restará sempre nos teus olhos
Que a idade e a melancolia
De sermos como somos
Não te vai afastar de mim.

Promete-me que a tua voz
E o teu corpo
Ficarão para sempre robustos
E intactos através do tempo.

Promete-me que a tua alma
Falará sempre à minha,
Nas manhãs cinzentas
Nas cordas da guitarra.

Promete-me que me verás sempre
Da mesma forma:
Como se fosse a primeira vez.

para J. Silva.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Azul Limão

Viajávamos naquele mar sem sal,
Sem brisa,
Olhávamos para aqueles seres sedentos,
Que pareciam nadar sem problemas,
Uns nos outros,
Como que em câmara lenta.

O ano tinha mudado, e também as marés.

Eu agora dava-lhe a mão e ele olhava-os perplexo, incrédulo.
Estavam cegos e surdos,
Nem o bater da água os acordava daquele ciclo sem fim.
Nós permanecíamos parados,
De pé,
Olhando para aquele aquário.

Eles não nos viam,
Falávamos e não nos ouviam,
Viviam ali e gostavam daquela dança,
Do bater de corpos gelatinosos e fúteis.

Aquele mar era ácido como o sumo de um limão.

Pegámos nos nossos dois corpos
E nas nossas memórias incandescentes
E de mãos dadas subimos as dunas e passámos o deserto
Longo de solidões.

O sol pôs-se na linha breve onde os seus lábios se juntam nos meus, e encontrámos longe da multidão
O mar gemente que nasceu em nós.




sábado, 5 de fevereiro de 2011

Sangue do meu sangue

É bom olhar o teu reflexo
E saber que estás mesmo ali
Que existes e que te posso tocar.

É bom olhar-te feliz
Sentir-te perto quente fraterno
Amar-te enfim.

Para G. Mira.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

És tu




A chuva começou a cair, estava tanto frio, eu estava quase despido, e a água misturada com a terra fazia-me escorregar.
Vagueava por ali, tropeçando nesta ou naquela verdade, nesta ou naquela memória.
Eu procurava-te sem saber, por montes de ruínas e vales de incertezas.
Os meus pés deixavam de sentir o chão, a minha boca tremia, e só havia silêncio. Penumbra, vestígios do que vivi, tudo em suspenso.
Eu precisava de outro sitio, os caminhos que conhecia estavam gastos, os meus olhos já os haviam percorrido, sempre, todos os dias, conhecia-lhes tudo. Eu sempre caminhei, viajei, assim.
Para chegar até ti.
E quando te vi, no regaço quente de uma árvore, qual luz que iluminou a minha alma, senti-me abençoado, senti-te de imediato em mim.
Estamos aqui somos nossos e de mais ninguém.
Gritámos então os nossos nomes aos ventos, percorremos as águas, celebrámos o nosso fogo com beijos.
Entendi então que na imensidão das palavras e dos gestos não morre o desejo. Não morremos.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Projecto Van Gogh.

Hoje de pé quieta imóvel
Preparada para acção
Para a festa eminente do nosso encontro
Perdi a voz.

Não consegui cantar,
Não saiu nada,
As minhas mãos tremiam
As minhas pernas não reagiam
Ao impulso de querer sair dali
E chorar sozinha.

Perguntei-me vezes sem conta,
Para onde foste?
Porque levaste contigo a minha força
E o meu falar?
Porque tomaste para ti o que não te pertence, sem dizeres nada?
Porque não vieste assistir à minha desgraça?

Então, quando me tiraram dali
Levaram-me para longe das luzes
E percebi, que não foste tu que me calaste
Que não foste tu que me gastaste nas tuas mentiras
E utopias macabras.

Fui eu, que me esqueci de respirar sozinha
De como é perigoso pisar aquele chão,
De como é inteligível o meu silêncio
E o silêncio do mundo
Agora que deixaste de me aprisionar.

Viver comigo é um desafio
Aprender-me novamente também,
Mas é bem mais saudável
Que tentar te salvar.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Grito




estou com frio
aquece-me
estou com sede
dá-me de beber
estou com fome
deixa-me comer-te.

estou com falta de ti
do teu sabor que nunca provei
das tuas mãos que não senti
percorrer o meu corpo
agarrarem os meus cabelos.

estou com falta de ti
e os dias são largos
e cheios de luz
uma luz intensa que me queima os olhos
e não me deixa vislumbrar a tua face
senão de noite quando os fecho.

estou com falta de nós
e aguardo o vento que te trás ou o mar que me agita
aguardo o teu corpo
aguardo a vida.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Insónia




Alto, profundo, sedento
Sem medo
Quando me desci da carruagem,
Agarrou-me a cintura e roubou-me um beijo.
Depois pegou a minha mão
E levou-me pela estação fora
Falando, gabando-se da minha presença.
E eu sentia apenas o sonho,
A atmosfera demasiado irreal.
Corpo dourado tatuado de enigmas,
Sinto longe a sua força
E na absurda tentativa de tornar as coisas efectivas
Trago até mim de novo a insónia.
E ele desfaz-se nas minhas dúvidas e receios
Como o fumo do cigarro, que sei que leva,
Religiosamente, à boca.
Olho para o lado,
E na minha cama encharcada do suor erótico deste exorcismo,
Não está ninguém,
Apenas o meu corpo apedrejado.
Levanto-me, preciso saciar a minha boca,
Se aqui estivesses diria que a minha saliva se esgotara nos teus beijos,
E que a tua se gastara com tanto tocar a minha pele quente de desejo.
Quero dormir contigo.
Volto a deitar-me na cama, agora fria
Cansada por não poder foder-te,
Por me esgotar sozinha em mim.
Fecho os olhos,
Ele é como um leão,
Agarro lhe o cabelo e a sua boca percorre
O meu pescoço
As minhas orelhas,
O meu rosto,
Os meus seios,
E depois olha-me,
E deixo de existir, de pensar, de respirar.
Estes olhos são os meus e neles vejo-o,
Ainda que eu seja eu.
Depois fala comigo,
E a sua voz parece tocar-me,
Arrepia-me a pele.
Suavemente agarra as minhas costas,
As minhas coxas,
E num abraço digo-lhe que não quero ir,
Que posso confundir a minha existência na sua.
Ele ri-se e dá-me um outro beijo.
A sua língua entra e percorre a minha boca,
É uma língua doce e sábia,
E não atrapalha a minha.
Depois num instante, quase sem me aperceber como,
O orgasmo irrompe pela minha garganta.
Ofegantes.
Não quero acordar.
Quando a manhã me chama percebo a derrota utópica a que me dei.
Mas quero mais.

domingo, 9 de janeiro de 2011

What Would Elvis Do?

Salta-te o sal da pele
Expões-te ao calor negro da intensidez
Fatídica do rock & roll
És um velho caído no chão
Sem camisa
Um asno bruto, gritante.

Cospes na cara de Deus
E viras as costas à tua mãe
Para depois ires chorar no colo deslavado
De uma puta qualquer.

Cresce. Faz-te um homem.
Faz-te alguém melhor
Do que esse corpo inchado e corrupto
Que te habituaste a usar.

sábado, 8 de janeiro de 2011

Sinal

ele disse que estava interessado
em me atirar contra as paredes
em viver um pouco do passado.

falou comigo embriagado
sem medo daquilo que eu pudesse pensar.

nunca pensei que nos seus violentos olhos
penetrasse uma admiração tamanha,
para mim sempre foram olhos vagos
medonhos de tão grandes e inexpressivos.

falei com ele ressacada
sem medo daquilo que pudesse arrastar.

vivemos o tempo
no imprevisto previsível daquilo que queremos ter
e na surdez da manhã branca
deito-me outra vez
sem perecer,
detida pelo cruel pormenor do seu retrato
que por sorte crua me deixou mais dez minutos
no sitio exacto da salvação.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

I have spread my dreams under your feet, tread softly because you tread on my dreams.


O amor faz reféns

Estiveste alguma vez apaixonado? É horrível, não é? Fica-se tão vulnerável? Ficas com o peito e o coração abertos e outra pessoa pode entrar dentro de ti e revolver-te por dentro. Constróis todas essas defesas, constróis uma armadura que te core de alto a baixo para que ninguém te possa ferir, e depois uma pessoa estúpida, igual a qualquer outra pessoa estúpida, atravessa-se na tua estúpida vida... Dás-lhes um bocado de ti. Não to pediram. Fizeram um dia uma estupidez qualquer, como beijar-te ou sorrir-te, e a tua vida deixou daí em diante de ser tua. O amor faz reféns. Entra dentro de ti. Come-te e deixa-te a chorar no escuro, e é assim que uma simples frase do tipo "talvez devêssemos ser só amigos" se transforma num estilhaço de vidro que te vai direito ao coração. Dói. Não é só na imaginação. Não é só mental. É uma dor da alma, uma dor real que te invade e te rasga e te parte. Odeio o amor.
N.G.

domingo, 2 de janeiro de 2011

Três Alentejos e Uma Lisboa









Para te trazer sol num dia branco.
Para tentar dar ânimo e força.
Para escreveres, se te apetecer.





J.S.

Dormindo

Desço a rua
Aberta ao fim da tarde
De inicio ninguém caminha comigo,
Mas à medida que vou chegando mais perto do rio
Outros se juntam a mim.
Não gosto desta companhia.
Tento esquecer-me do que já fiz aqui,
Das vezes que caminhei contigo
Com eles
Com os outros,
Mas é impossível,
Esta rua está apinhada de memórias
Está cheia de uma violência emocional sem fim.
Olho para os bancos desertos
E sinto o sol que outrora me tocou
Mas ele já não existe,
Existe esta penumbra que não deixa vislumbrar as estrelas
A noite encerra o dia aqui.
Só vim porque ele me pediu,
Porque na sua ausência e desprezo
Me pediu que fugisse de mim
Para me salvar,
Para tentar ser feliz.
Então eu vim,
Desci a rua sozinha,
E encontrei nela motivações
Talvez mesquinhas
Mas as únicas que me fizeram continuar
Talvez as únicas que ainda são a minha razão de viver.
Cansei-me da tua perseverança insólita
E da tua inércia
Lavei-te a cara em sinal de respeito,
Lavei-te as mãos como prova do meu amor,
Lavei-te os pés para que seguisses a tua caminhada
Sem mim.
Esperei por ti e não mais quero fazê-lo
Não posso esperar por mais ninguém
Estive aqui, caminhei contigo
Só para dizer que chegaste ao fim.

sábado, 1 de janeiro de 2011

A paz triunfou, mas como vão ser as coisas agora?

"(...) e quando ela pensa nessa geração de homens silenciosos, nos rapazes que passaram pela Grande Depressão e cresceram para se tornarem soldados ou não-soldados na guerra, não os censura por se recusarem a falar, por não quererem regressar ao passado, mas que curioso que é, pensa ela, quão sublimemente incoerente é o facto de a geração dela, (...), ter produzido homens que nunca páram de falar, (...), que desatam a falar de si mesmos ao menor estímulo, que têm uma opinião firmada acerca de todos os assuntos, que vomitam palavras de manhã à noite, mas lá porque falam não quer dizer que ela os queira ouvir, ao passo que com os homens silenciosos, os velhos, aqueles que estão prestes a deixar-nos, ela daria tudo para ouvir o que têm a dizer."

P.A.