quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Português Amarelo (Série de Narrativa - Vícios III)




"Este vai ser o meu último cigarro..." – dizia ele rodando o cigarro entre os dedos.


Claro que eu tentava acreditar no que ele estava a dizer, mas parecia demasiado estranho vê-lo abdicar das coisas que faziam parte dele. Se ele o fizesse, se ele abandonasse os seus vícios deixaria de ser quem era e passaria a ser outro alguém.


Voltei a olhar para a chávena do café e perguntei a medo: "Também me vais deixar?". Ele riu-se.


Eu sei que todos os seus vícios lhe davam prazer, e sei que também era para isso que lhe servia, então tremi ao imaginar que seria abandonada como tudo o resto. De um lado eu e do outro o amarrotado maço de cigarros, Português Amarelo.


Juro que nunca quis afectar ninguém com as minhas propriedades altamente cancerígenas, mas ele tinha a boca mais irresistível, as veias e o coração mais quentes que alguma vez ousara queimar.


Levantei-me bruscamente, passei pelo fumo do seu último cigarro, entrecortando a linha ténue que este desenhava no ar. Ele seguiu-me contrariado com o passo lento e largo.


Sabia que ele tinha de partir e eu queria despedir-me convenientemente. No entanto, não conseguia tirar os olhos das pedras da calçada. Estava nervosa e inquieta.


Sentei-me nos degraus da entrada da igreja e ele sentou-se a meu lado. Observei-o. Não me estava a parecer que aquela forma de fumar anunciasse o fim desse metódico acto. Aquele cigarro jamais seria o último, era como outro qualquer. E mais uma vez a analogia surgiu na minha cabeça. Aquilo que estávamos ali a fazer, a razão pela qual nos havíamos encontrado, não era para nos despedirmos, aquilo não era a última vez que estávamos juntos, era outra ocasião em que sarcasticamente fingíamos seguir em frente, mas já os nossos corpos, os nossos olhos e os nossos corações afirmavam que iríamos ceder ao vício de nos amarmos mutuamente.


Então ele apagou o seu cigarro nas pedras da calçada, juntou o seu corpo ao meu, deu-me a mão, beijou-me a face, abraçou-me e eu deixei que uma lágrima escapasse.


Saiu dali tão depressa, e eu fiquei sentada nas escadas da igreja, onde ainda pairava o cheiro do cigarro apagado, e ao meu lado, no mesmo degrau, o maço rasgado de Português Amarelo.


sexta-feira, 23 de outubro de 2009

A última noite em que te vi (Série de Narrativa - II)

A noite fria e escura não anunciava a queda daquele império estranha e subitamente estabelecido, eram antes as nossas mentes, era antes uma revolta interior muito silenciosa e controversa.

Eu não queria admitir que estava a desejar o fim da minha felicidade. Tudo isso era por demais ilógico e masoquista. Mais uma vez eu desejava sofrer.

Comecei a pensar que talvez seria esse o meu estado mais pleno. Sentia saudades dessa incapacidade de ser feliz, de me sentir satisfeita.

Foi nessa noite que eu me apercebi de que me perdera, de que deixara de conhecer aquilo que estava à minha volta, aquilo que havia adquirido a muito custo.

Fiquei desiludida, fiquei chocada, enjoada com a minha decisão.

Não havia nada a fazer, eu queria abandonar-me. Precisava de deixar tudo para trás. E porquê?

Porque queria apagar os vícios, apagar a mentira com que havia sustentado a minha efémera felicidade.

Sim, agora entendia que tudo aquilo era uma farsa, uma ilusão. Havia consentido que a mentira se instalasse na minha vida, como um mal menor, e agora que havia atingido os meus objectivos, não olhando a meios, sentia-me mal, sentia-me impura.

Ganhámos o melhor prémio de todos. Tudo era completo, tudo dançava ao ritmado sentir da felicidade, tudo sorria e transpirava satisfação.

Eu sentia-me inquieta.

De bicos dos pés, pedia uma bebida ao balcão, e sentia-me observada. Eu sabia que me olhavam, e por isso era ainda mais excêntrica. Pavoneava-me. As luzes da ribalta estavam sobre mim e eu adorava, deliciava-me com cada fino olhar que pousava sobre mim.

Todos me davam os parabéns, e a minha resposta era sem excepção um seco e frio: "Obrigada...", seguido de um falso sorriso, infestado de indiferença.

Nem o álcool me fizera mais sensível. Estava na mesma. Naquela noite eu era uma autêntica besta.

Olhei para ti tão doce, tão delicado. Estavas à minha espera para festejar aquela alegria súbita. Olhei-te nos olhos, como se te quisesse arrancar à força a alma. Eu já não sabia quem tu eras, e precisava de saber. Eu estava espantada com a minha frieza amnésica, com a minha estupidez.

A mesma pergunta ecoava na minha cabeça freneticamente enquanto tu me agarravas para dançar: "Quem és tu? Quem és?". E eu não obtinha qualquer resposta... Então abraçava-te longamente, talvez o contacto com o teu corpo me ajudasse a recordar. Mas nem o teu perfume, ou a textura suave da tua barba me ajudaram. Eu continuava na incógnita.

Então, roubei-te um beijo. Tu quiseste-o breve, mas eu prolonguei-o, na esperança inútil que a tua saliva despertasse em mim alguma memória.

Irritada agarrei-te firmemente as mãos e dancei contigo, acelerando o passo. Louca com o rodopiar de sensações, com o excesso de álcool e drogas eu parecia inabalável, intocável, senão pelas tuas mãos supostamente conhecidas.

Era isso! Quem não me conhecesse e olhasse para mim veria uma bomba pronta a explodir. No entanto tratava-se de uma implosão.

As minhas entranhas retorciam-se, abalavam-me, entregavam o meu cérebro à miséria, contorcendo-o, espremendo o meu coração, de tal maneira que já não havia réstia de sangue ou pingo de amor vivo que dali brotasse.

Já tudo havia terminado, todos queriam partir. Mas os meus pés impeliam-me para aquela dança, como que para espantar a dura realidade com que me havia deparado, como que a sacudir a verdade interior que havia descoberto.

Partimos então.

Eu fui quase arrastada.

Regressámos a casa.

A noite era escura e fria.

Eu fitava a estrada. Havia uma tensão no ar. Eu e tu franzíamos as nossas testas. Mal falámos durante todo o percurso, parecia que já não havia nada a dizer, havia tudo sido dito. Haviam-se esgotado as palavras.

Olhava-te de tempos a tempos.

Continuava com aquela estranha sensação de que estava com um desconhecido.

Pedi-te que dormisses comigo nessa madrugada, pois achava que se ficasse sozinha desapareceria mesmo, levada por tanta confusão. Não sei se a tua presença ajudou verdadeiramente.

Olhei para ti até adormeceres, beijei-te os lábios macios, senti o odor quente da tua pele, encostei o meu ouvido ao teu peito, ouvi o teu coração bater, e assim adormeci.

Essa foi a última noite em que te vi.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

We got the handshake under our tongue





I just shook the handshake

I just sealed the deal

I'll try not to let them

Take everything they can steal

People always told me

Don't forget your roots

I know

I can feel them underneath my leather boots


You toss all the mornings lost to the clouds and you watch it go

Your fairweather friends on a parachute binge get lost when the wind blows

The handshake's stuck on the tip of my tongue

It tastes like death but it looks like fun


I was a loner

I was just waiting by myself

When you, warped temptress

Rose to bring me happiness and wealth

Black tears, black smile, black credit cards and shoes

You can call all the people you want

But it's you who's being used


Under your black eyes, honey

Right beneath your nose

A curse on all creation

Every single thing you know

White smoke, white light, white marble on the floor

It would only take a few seconds of darkness to figure out what's in store


Little girl

You convince yourself that you want it, but you don't know

You keep trying to wash the blood from your hands, but it won't go

We're gonna keep you on the run
MGMT