domingo, 30 de dezembro de 2012

Mudar de pele

Perco a vontade nos dedos, nas amarras
Sigo sem pressa pelo caminho da indiferença
E entre aqueles que me amam
E aqueles que mais desejo
Vai um fosso profundo e sedento
De algo que não conheço.

Nunca fui de ficar de lado a brilhar timidamente na escuridão
Mas entendo, que com o tempo
A minha luz desvaneça
E se torne fosca, suja, infeliz.

Não posso ser diferente,
Já tentei e não consigo,
Esgotar-me na minha pele,
Como camaleão frustrado,
Não quero mais.

Aguardo que um dia me possa reconhecer
Como outra coisa qualquer
E que pelo menos a mim eu faça sorrir
Nem que seja por pura demência.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Tálamo


Olho-te as lágrimas
Dói
E no vazio procuro
A vontade.
Essa falta-me
E preciso tanto dela para sobreviver.

Na noite só,
Enfrento o medo
De colapsar perante o mundo eterno
De nos esvaziar uma e outra vez
Até estarmos virados do avesso
Com as vísceras à mostra.

Sentir o frio cortar-me a lingua
Sentir o peso da despedida
Sentir te a partir
Sentir te só na neblina
A pensar em mim, em ti
No espectro em que nos tornámos.

Há silêncio
E o vazio que há em mim,
Esta destreza de aniquilar tudo o que é pulsante
Estão a deixar tudo deserto
Coberto de neve.

Ao largo do teu rosto escorre lentamente uma lágrima
Não a reconheço
Mas vejo-me dentro dela
E ela cai estilhaçando-se no chão.

Como se nada fosse
Os teus pés gélidos passeiam nas minhas pernas
E nem temos noção daquilo que criamos
Daquilo que metamorfoseamos com os nossos dois corpos em colisão.

Sempre foi tudo tão intrinseco
Tão natural
A tua carne na minha
E a pele que vestimos todos os dias
Desde que caí na verdade de te amar.

Não quero sair das águas dilacerantes
E turvas, anestesiantes
Quero ser embalada nelas
Desaparecer no nevoeiro
Afogar-me
Asfixiar-me
Perecer
Aqui ou no teu leito.

Ido

Não saio daqui
Nem por nada
Tenho medo dos outros
Dos olhares desajeitados dos bêbados
Dos gritos aguçados de antigas amizades.
Não saio daqui.
De perto da música quente
Do fumo incandescente da minha imaginação
De corpos dançantes
Que à minha frente vão rodopiando sem precisão.
Já fui daqui,
Agora não sou de ninguém.
Ninguém me quer,
Filha bastarda de uma poesia arrogante
Aconchegante apenas em dias mórbidos como este.
A chuva lá fora nem molha,
Purifica
No psicadelismo daquilo que não sei nomear.
Talvez seja só solidão, isto que vive por aqui
Isto que paira sobre estes filhos de Adão.
Não saio daqui
Tenho medo de mim.

sábado, 22 de setembro de 2012

Este Eu já não Existe

Comi terra enquanto punhas o chapéu na cabeça e vestias o casaco.
O calor intenso do chão, o pó nos meus olhos, nas minhas mãos, não me deixava levantar.
Disseste: "Vai, sai daqui."
E sem pensar mais corri.
Nas minhas costas o peso, e a sensação de que irias disparar sobre mim. O medo era tanto, que não consegui olhar para trás e ver-te sumir.
Cambaleante, de pés nus, voltei para casa.
Acendi um cigarro.
Doía-me todo o corpo e puxei da cabeça uma mexa de cabelo que me arrancaras.
"Filho da puta." Pensava, sem conseguir entender porque te amava, segui.
E ao virar-me para o sol, ao ver a minha casa, a saia rasgada e o cigarro ainda aceso, desejei não estar ali.
"Porque não me mata ele, logo, já, de uma vez por todas?"
Não é questão plausível ou razoável para ti, saberes que entre estas duas pernas está também uma outra coisa, tão boa e tão melhor.
Mas tu não vês assim.
Envenenei-te com os meus beijos, mas tu não gostas de mim, nunca me quiseste bem, e a tua mão dura tem o dom de me fazer sentir alguém.
"Vá lá, mata-me." Pedi-te, mas como sempre fugiste e deixaste-me assim.
Pior que morta fiquei viva, e viver já me cansou, e viver já se gastou no que me fizeste sentir. Não digas que me amas. Não digas que é o fim.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Salvei o Mundo


Dei por mim a falar com estranhos
Porque não tenho mais ninguém
A solidão engoliu-me tão depressa
Que não tive tempo de me despedir do Mundo.

Apetece-me tudo o que é distante
E o silêncio dói
Como espinhas finas atravessando-me a garganta
Como fogo incolor que me queima os olhos.

Ninguém quer saber
O nada que há em mim
Este vazio que me domina
E me faz ser melancolia.

Tenho saudades da menina
Que em tempos fui
Tenho saudades da adrenalina
Que em tempos senti.

Sinto falta de ser adorada
Como eu adoro o sol e as estrelas e a lua
Ao fumo de um ou outro cigarro
Que vou encontrando por aí.

Tenho saudades de ser tua,
De te tocar a alma
Sentir-me presa a ti
Tenho saudades de pertencer em vários corações,
Como calor ardente, fulgente
Que mata se não fala
Que mata se não toca
Que desespera se não beija.

Ai que saudades que tenho de saliva
E de suor
E de lágrimas
Do riso orgásmico do vento
Num desflorar de Abril.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Mato os dias afundada nas palavras
Que ninguém diz por querer.
Passo os dias magoada com os gestos funestos
Que ninguém faz por pensar.

E nos acordes e nos solos do Jobim
Fico pelo fim da minha angústia repentina
E Deus sabe como vibra a minha mente
Entre as coisas que não são minhas
E as que quero ter.

quinta-feira, 31 de maio de 2012

É tão fácil respirar quando não se conhece a solidão

Estas coisas que guardamos dentro de nós
Crescem como monstros.
Mas nós acarinhamo-las,
E não queremos que elas partam.
Estas coisas levam-nos para àguas profundas
E mesmo sem conseguirmos respirar,
Continuamos a afundar-nos,
Porque estes monstros são a única coisa que nos resta.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Ausência Zero

Entre amigos fiquei
À espera do meu sangue
E ele nunca veio
Nunca correu.

Nem quando chegaste com o teu corpo de sempre
E o meu coração disparou
Numa tristeza que não conheço,
Que não é minha,
O meu sangue gelou
Não existia.

Branca pálida
Nem me conhecias
E fiquei o resto da noite revisitando
A tua ausência na minha cabeça.

E para là do fumo e dos gritos absurdos das gentes
Corri até ao carro para fugir dali
E nem a adrenalina do medo
Me fez passar este aperto cà dentro.

Não sei o que é
Que me faz temer assim
O amanhã sem ti.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Café de Ferro














Fui eu que bebi esse café
Que dancei nesse chão
Que saboreei essa espuma.

Fui eu que desapareci por entre a bruma
Que desapareci antes da chuva
Cair sobre os teus olhos.

Fui eu que sucumbi ao cansaço das multidões
Que decidi desistir das emoções
Das vibrações que transmite a ribalta
E já nem sinto falta
Do calor do palco.

Fui eu que cantei alto
A minha vida
E pisei no escuro os vidros que partiste.
Fui eu quem descobriste
No corpo de outra pessoa?

Fui eu e foi Lisboa que te incendiou a alma
E perdeste a calma
Dos heróis.

Fui eu que teci com o fio da desgraça a minha própria demência
Fui eu que com impaciência
Criei o fim do mundo.

Fui eu que cai fundo
Nos teus braços
E parece já não haver espaço
Para mais narração.

Fui eu que escrevi esta canção
Que não consegues digerir
Fui eu quem te fez sorrir
E agora só quero paz e perdão.

Sou eu que já não sou capaz
De ficar sendo outra
De ficar sendo isto
Que não existe
Que é triste
E cinzento
Que é violento e sem céu
Que é um infinito de vontades reprimidas
Que é um interminável mundo de mentiras
Que é algo que não sou
Algo que estou
Preparada para extinguir.

terça-feira, 13 de março de 2012

Março

Desceu da tua testa
Uma gota laranja
De liquido amniótico
Olhaste-me furioso
E eu sorria
Expectante
Provocando-te propositadamente.

Não foi preciso pensar
O ataque sortiu efeito imediato
E beijei-te.

Vamos
Saboreando as nectarinas
Fechando os olhos
Inspirando os odores
Enchendo os peitos de ar
Tocando as peles morenas.

Explodiste em mim
Contra mim
Sem frente nem verso
Sem forma
Todo divino
Todo etéreo.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Revelação de Egisto

Saíram da tua boca pedaços perdidos de nada
E ardentemente me alcançaram a alma,
Quebrando em mim a muralha que criara.

Violentamente me precipitei na verdade:
"Aquilo que amo não posso ter."

Merda de incompetência.

Lanço em cima dos outros o meu fado,
Mas é de mim que não sai a magia
Que eu queria
Que saísse.

Ninguém me leva ao colo
E o zumbido que fica
É frio e fino como a navalha
Que me cravaste no pescoço.

E rodas e torces
Para jorrar mais sangue,
Para a morte ser mais breve do que era suposto.

Merda de mim.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

A dEUS

Encontraram-se à porta da igreja
Perdidos no abismo dos seus corpos.
Sedento pelo perfume das donzelas
Ele escolheu o dela como engenho da sua mentira.
Se ela lhe diz que às vezes se esquece de quem ele é
Vão bater às portas das casas que habitaram juntos
E desfloraram sem noção das consequências,
E então ela relembra que ele foi a sua primeira batalha
A sua primeira vontade
De encontrar a liberdade.
Ele custou-lhe isso
Ele sofreu e ela não adivinhou.
Porque no meio do seu sorriso prudente
Estava um menino desarmado
Contente por a ter.
Desceram a rua, vaguearam em busca de leitos
De copos e cigarros
À procura de gente
Para cantar com eles
O que mais tarde se tornou hino.
Não se falam mais, em cartas talvez.
Na madrugada em que ela fugiu
No frio da manhã,
Percebeu que a mentira dele era o medo de ser feliz.