sexta-feira, 5 de junho de 2015

Macieira




Vejo-te assim
Embriagado
Sem saberes porquê
Deixaste-te ir nesse rio de licores
Talvez para escoares tuas dores
Que já não sabes enumerar.

A vida deu-te um terramoto
Não muito concreto
Mas abalou os alicerces modestos
Que sempre tiveste como certos.

Estás farto, gasto, entediado
Contigo e com o que te rodeia
Talvez comigo também.

Via-te sempre tão de ouro,
Tão cor do sol, tão ardente
E agora olho-te
E vejo um buraco negro eminente.

Não te quero na escuridão
Não tenho forças para caminhar por nós dois
Mas não sei como agarrar tua mão
E fazer-te brilhar como outrora.

Quero-te tanto, ainda que sempre para depois
Quero-te tanto, ainda que não queiras nada agora.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Última Rosa de Verão



Tudo o que eu sempre quis,
Aqui dentro de mim, 
Assim sem mais nem menos, 
Aqui tão perto. 

Antes de ti, 
Eu lavava a cara com a tua luz prateada 
Cheia de calor fulgente, 
E suspirava, 
Por um dia ser tua. 

Não queria mais ninguém, 
Preferia entregar-me à solidão eterna. 

De cada vez que estava contigo, 
As palavras brotavam como flores de lótus no principio do universo, 
Mas o medo apoderou-se de mim. 
O medo de nada existir, para além da minha vontade tímida. 
E fiquei à tua mercê, num mar sem vento, onde nada se movia. 

Então vagueámos pelas ruas, 
Dançando sofregamente, 
Sonhando separados,
Temendo a desilusão. 

Até asfixiarmos com a ideia de não saltarmos para o abismo, 
Porque só o abismo parecia melhor, mais doce, 
Do que o chão indeciso que pisávamos lado a lado. 

Saltámos para o abismo um do outro. 

E agora vejo-te longe, e ainda nem acredito que és meu, que te pertenço. 
Tremo ao pensar em nós, por ser tão forte e tão verdadeiro. 
E tenho medo de te perder entre os meus dedos apáticos, 
De não te agarrar para sempre, 
Porque foste para mim a última esperança, a última urgência de acreditar no amor. 

quarta-feira, 13 de março de 2013

Parte da Perfeição

No espelho te olhas sorridente
Esperando alcançar esse abraço quente
Mas nem tudo permanece
Esperando por ti.

Vais gastando os teus dedos
Aqui e ali nas manhãs cinzentas
És negro breu que se deita
Quieto, calado
Sem querer
No meu peito gelado.

Não se esquecem de mim os dias
Essa chama acesa que brilha no quarto fechado
Mas eu não me esqueço de ti
Do fogo em que ardes cá dentro.

E nem respiras, tocando-me, sem medo
Eu não quebro
Ficando o silêncio oportuno para se criar o segredo
Entre nós.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Crimson

Não me és nada,
Não me és vento,
Nem fogo,
Nem água que sufoca
Quando mergulho em ti.

Não me és vida,
És apenas sobrevivência
Muda, surda, entristecida
Deixada sozinha no meio da rua
Fria, desajeitada, isolada
Esquecida.

Não me és conforto,
Apenas conformação
Seca, insípida, vil
Que me gasta, afasta
De ser feliz.

Sinto à noite,
Quando partes para as tuas ruas de paixão e velocidade,
Que partiste de vez
Que aquele que eras já não está aqui
Que está outro alguém
Outro alguém que tento entender
Mas que não toco, não atinjo
Não reconheço,
Nos traços, nas palavras, nos beijos.

Sinto à noite o meu corpo arder,
Ficar incandescente,
Como brasa acesa,
A queimar os lençóis,
E tento suportar esta febre,
Esta alucinação
De te perder todos os dias,
Vezes e vezes sem conta,
E não mais te encontrar
Em lado algum,
Nem em ti.



domingo, 20 de janeiro de 2013

Au Milieu Du Silence

Na casa nua de gente
A luz branca inunda os defeitos
Mostra-os em carne crua
Sem outro intento
Deixa-nos rodeados de solidão
E caminhamos lentamente entre os móveis
Inexistentes, Invisíveis
Sem exatidão
Traçando percursos que nada dizem.

Descalça percorri o jardim despido e húmido
Até à parede onde dei por mim sedenta
E num arco velho desenhei
Água azul e límpida
Mas não chegou para saciar
A melancolia que vive em mim.

Tenho caminhos desenrolados a meus pés
E não há amor aqui
Não há utopias inocentes
Está tudo em ruínas
E chove incessantemente.

Quem me dera que o tempo não fosse cruel
Que o teu coração ouvisse o bater do meu
Que as tuas pernas se enrolassem nas minhas
E sem me quereres perder
Me abraçasses num beijo interminável, incorruptível, infinito. 


quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Tétis

Se ao vento me deito
E no nevoeiro quente do chuveiro me perco de ti
Entre pensamentos estranhos, insanos rebeldes
É porque o desejo se acumula fundo.

Não há palavras que nos tragam de volta à margem
E a tempestade já passou há tanto tempo.
Como ninfa agarro o teu dorso querendo afundar-te comigo num mar profundo de amor,
Mas tens medo, e eu sinto que já não me pertences, nem o meu canto sereno te encanta mais,
Nem com meus olhos  te faço acreditar.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Onde Chegar

Dei por mim numa manhã injusta,como aquelas que vivemos durante tanto tempo, em que enroládos acordávamos, assombrados pelo tocar do despertador, dizendo que te tinhas de ir.

Demoravas-te nos meus braços, fingindo não ouvir o chegar da despedida. 

Sonolentos, caminhando errantes para a luz do dia, abraçávamo-nos apaixonados, e iamos trocando beijos até ao portão.

Não querias ir, e eu não queria que fosses. Queriamos repetir tudo.

A chegada timida, o matar a saudade dos corpos, as linguas a viajarem uma narante horas, até adormecermos.

Quem nos dera, naquela altura, nunca mais acordar, ficarmos intactos, colados um no outro, por gotas de suor.

Agora, quem nos dera recuar, ou acordar do pesadelo que criámos em nome do amor.

Hoje, dei por mim numa manhã ainda mais injusta, fria, enevoada, solitária, à espera que o sol nascesse, mas ele tardou, e o crepúsculo ia-me deixando cega, perdendo toda a esperança, de te ver chegar, para me acordares deste sono profundo, desta dormência em que crescemos.

Queria que me levasses contigo, para parte incerta, onde a vida não seja mais que uma ilusão.

domingo, 30 de dezembro de 2012

Mudar de pele

Perco a vontade nos dedos, nas amarras
Sigo sem pressa pelo caminho da indiferença
E entre aqueles que me amam
E aqueles que mais desejo
Vai um fosso profundo e sedento
De algo que não conheço.

Nunca fui de ficar de lado a brilhar timidamente na escuridão
Mas entendo, que com o tempo
A minha luz desvaneça
E se torne fosca, suja, infeliz.

Não posso ser diferente,
Já tentei e não consigo,
Esgotar-me na minha pele,
Como camaleão frustrado,
Não quero mais.

Aguardo que um dia me possa reconhecer
Como outra coisa qualquer
E que pelo menos a mim eu faça sorrir
Nem que seja por pura demência.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Tálamo


Olho-te as lágrimas
Dói
E no vazio procuro
A vontade.
Essa falta-me
E preciso tanto dela para sobreviver.

Na noite só,
Enfrento o medo
De colapsar perante o mundo eterno
De nos esvaziar uma e outra vez
Até estarmos virados do avesso
Com as vísceras à mostra.

Sentir o frio cortar-me a lingua
Sentir o peso da despedida
Sentir te a partir
Sentir te só na neblina
A pensar em mim, em ti
No espectro em que nos tornámos.

Há silêncio
E o vazio que há em mim,
Esta destreza de aniquilar tudo o que é pulsante
Estão a deixar tudo deserto
Coberto de neve.

Ao largo do teu rosto escorre lentamente uma lágrima
Não a reconheço
Mas vejo-me dentro dela
E ela cai estilhaçando-se no chão.

Como se nada fosse
Os teus pés gélidos passeiam nas minhas pernas
E nem temos noção daquilo que criamos
Daquilo que metamorfoseamos com os nossos dois corpos em colisão.

Sempre foi tudo tão intrinseco
Tão natural
A tua carne na minha
E a pele que vestimos todos os dias
Desde que caí na verdade de te amar.

Não quero sair das águas dilacerantes
E turvas, anestesiantes
Quero ser embalada nelas
Desaparecer no nevoeiro
Afogar-me
Asfixiar-me
Perecer
Aqui ou no teu leito.

Ido

Não saio daqui
Nem por nada
Tenho medo dos outros
Dos olhares desajeitados dos bêbados
Dos gritos aguçados de antigas amizades.
Não saio daqui.
De perto da música quente
Do fumo incandescente da minha imaginação
De corpos dançantes
Que à minha frente vão rodopiando sem precisão.
Já fui daqui,
Agora não sou de ninguém.
Ninguém me quer,
Filha bastarda de uma poesia arrogante
Aconchegante apenas em dias mórbidos como este.
A chuva lá fora nem molha,
Purifica
No psicadelismo daquilo que não sei nomear.
Talvez seja só solidão, isto que vive por aqui
Isto que paira sobre estes filhos de Adão.
Não saio daqui
Tenho medo de mim.

sábado, 22 de setembro de 2012

Este Eu já não Existe

Comi terra enquanto punhas o chapéu na cabeça e vestias o casaco.
O calor intenso do chão, o pó nos meus olhos, nas minhas mãos, não me deixava levantar.
Disseste: "Vai, sai daqui."
E sem pensar mais corri.
Nas minhas costas o peso, e a sensação de que irias disparar sobre mim. O medo era tanto, que não consegui olhar para trás e ver-te sumir.
Cambaleante, de pés nus, voltei para casa.
Acendi um cigarro.
Doía-me todo o corpo e puxei da cabeça uma mexa de cabelo que me arrancaras.
"Filho da puta." Pensava, sem conseguir entender porque te amava, segui.
E ao virar-me para o sol, ao ver a minha casa, a saia rasgada e o cigarro ainda aceso, desejei não estar ali.
"Porque não me mata ele, logo, já, de uma vez por todas?"
Não é questão plausível ou razoável para ti, saberes que entre estas duas pernas está também uma outra coisa, tão boa e tão melhor.
Mas tu não vês assim.
Envenenei-te com os meus beijos, mas tu não gostas de mim, nunca me quiseste bem, e a tua mão dura tem o dom de me fazer sentir alguém.
"Vá lá, mata-me." Pedi-te, mas como sempre fugiste e deixaste-me assim.
Pior que morta fiquei viva, e viver já me cansou, e viver já se gastou no que me fizeste sentir. Não digas que me amas. Não digas que é o fim.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Salvei o Mundo


Dei por mim a falar com estranhos
Porque não tenho mais ninguém
A solidão engoliu-me tão depressa
Que não tive tempo de me despedir do Mundo.

Apetece-me tudo o que é distante
E o silêncio dói
Como espinhas finas atravessando-me a garganta
Como fogo incolor que me queima os olhos.

Ninguém quer saber
O nada que há em mim
Este vazio que me domina
E me faz ser melancolia.

Tenho saudades da menina
Que em tempos fui
Tenho saudades da adrenalina
Que em tempos senti.

Sinto falta de ser adorada
Como eu adoro o sol e as estrelas e a lua
Ao fumo de um ou outro cigarro
Que vou encontrando por aí.

Tenho saudades de ser tua,
De te tocar a alma
Sentir-me presa a ti
Tenho saudades de pertencer em vários corações,
Como calor ardente, fulgente
Que mata se não fala
Que mata se não toca
Que desespera se não beija.

Ai que saudades que tenho de saliva
E de suor
E de lágrimas
Do riso orgásmico do vento
Num desflorar de Abril.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Mato os dias afundada nas palavras
Que ninguém diz por querer.
Passo os dias magoada com os gestos funestos
Que ninguém faz por pensar.

E nos acordes e nos solos do Jobim
Fico pelo fim da minha angústia repentina
E Deus sabe como vibra a minha mente
Entre as coisas que não são minhas
E as que quero ter.

quinta-feira, 31 de maio de 2012

É tão fácil respirar quando não se conhece a solidão

Estas coisas que guardamos dentro de nós
Crescem como monstros.
Mas nós acarinhamo-las,
E não queremos que elas partam.
Estas coisas levam-nos para àguas profundas
E mesmo sem conseguirmos respirar,
Continuamos a afundar-nos,
Porque estes monstros são a única coisa que nos resta.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Ausência Zero

Entre amigos fiquei
À espera do meu sangue
E ele nunca veio
Nunca correu.

Nem quando chegaste com o teu corpo de sempre
E o meu coração disparou
Numa tristeza que não conheço,
Que não é minha,
O meu sangue gelou
Não existia.

Branca pálida
Nem me conhecias
E fiquei o resto da noite revisitando
A tua ausência na minha cabeça.

E para là do fumo e dos gritos absurdos das gentes
Corri até ao carro para fugir dali
E nem a adrenalina do medo
Me fez passar este aperto cà dentro.

Não sei o que é
Que me faz temer assim
O amanhã sem ti.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Café de Ferro














Fui eu que bebi esse café
Que dancei nesse chão
Que saboreei essa espuma.

Fui eu que desapareci por entre a bruma
Que desapareci antes da chuva
Cair sobre os teus olhos.

Fui eu que sucumbi ao cansaço das multidões
Que decidi desistir das emoções
Das vibrações que transmite a ribalta
E já nem sinto falta
Do calor do palco.

Fui eu que cantei alto
A minha vida
E pisei no escuro os vidros que partiste.
Fui eu quem descobriste
No corpo de outra pessoa?

Fui eu e foi Lisboa que te incendiou a alma
E perdeste a calma
Dos heróis.

Fui eu que teci com o fio da desgraça a minha própria demência
Fui eu que com impaciência
Criei o fim do mundo.

Fui eu que cai fundo
Nos teus braços
E parece já não haver espaço
Para mais narração.

Fui eu que escrevi esta canção
Que não consegues digerir
Fui eu quem te fez sorrir
E agora só quero paz e perdão.

Sou eu que já não sou capaz
De ficar sendo outra
De ficar sendo isto
Que não existe
Que é triste
E cinzento
Que é violento e sem céu
Que é um infinito de vontades reprimidas
Que é um interminável mundo de mentiras
Que é algo que não sou
Algo que estou
Preparada para extinguir.

terça-feira, 13 de março de 2012

Março

Desceu da tua testa
Uma gota laranja
De liquido amniótico
Olhaste-me furioso
E eu sorria
Expectante
Provocando-te propositadamente.

Não foi preciso pensar
O ataque sortiu efeito imediato
E beijei-te.

Vamos
Saboreando as nectarinas
Fechando os olhos
Inspirando os odores
Enchendo os peitos de ar
Tocando as peles morenas.

Explodiste em mim
Contra mim
Sem frente nem verso
Sem forma
Todo divino
Todo etéreo.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Revelação de Egisto

Saíram da tua boca pedaços perdidos de nada
E ardentemente me alcançaram a alma,
Quebrando em mim a muralha que criara.

Violentamente me precipitei na verdade:
"Aquilo que amo não posso ter."

Merda de incompetência.

Lanço em cima dos outros o meu fado,
Mas é de mim que não sai a magia
Que eu queria
Que saísse.

Ninguém me leva ao colo
E o zumbido que fica
É frio e fino como a navalha
Que me cravaste no pescoço.

E rodas e torces
Para jorrar mais sangue,
Para a morte ser mais breve do que era suposto.

Merda de mim.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

A dEUS

Encontraram-se à porta da igreja
Perdidos no abismo dos seus corpos.
Sedento pelo perfume das donzelas
Ele escolheu o dela como engenho da sua mentira.
Se ela lhe diz que às vezes se esquece de quem ele é
Vão bater às portas das casas que habitaram juntos
E desfloraram sem noção das consequências,
E então ela relembra que ele foi a sua primeira batalha
A sua primeira vontade
De encontrar a liberdade.
Ele custou-lhe isso
Ele sofreu e ela não adivinhou.
Porque no meio do seu sorriso prudente
Estava um menino desarmado
Contente por a ter.
Desceram a rua, vaguearam em busca de leitos
De copos e cigarros
À procura de gente
Para cantar com eles
O que mais tarde se tornou hino.
Não se falam mais, em cartas talvez.
Na madrugada em que ela fugiu
No frio da manhã,
Percebeu que a mentira dele era o medo de ser feliz.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Fresco de peles rasgado
Na parede do teu olho pardo
Afixado com orgulho mesclado de gritos.

O sangue escorreu de noite
Pelos ventres das virgens secas
Anunciando a vinda de outras pragas
Surdas, cegas, mudas,
Arrepiantes.

Os homens saíram correndo
A procurar o fogo
Para queimar, para afugentar as bestas do mundo.

Nas casas as velhas carpindo
O susto tremendo que se havia erigido
Cortando as vestes de negro tingido
Bramiam os clamores das almas que haviam fugido.

As crianças derramaram o leite
No joio no chão
E dali nasceu a árvore da tentação
Soprando o vento e aclarando o sol
Raiando ao longe
Sem vontade de iluminar o céu.

Era manhã sangrenta
Banhada a nevoeiro e a carvão
E as cinzas pintavam todos os caminhos
Apagando as estradas, os ermos, os corpos
Que foram deixados curiosamente prostrados em circulo.

E em volta da vida surgiu destemida
Uma mulher branca,
Branca quase vazia
Que cantava gelidamente
O fim da tirania.