"Este vai ser o meu último cigarro..." – dizia ele rodando o cigarro entre os dedos.
Claro que eu tentava acreditar no que ele estava a dizer, mas parecia demasiado estranho vê-lo abdicar das coisas que faziam parte dele. Se ele o fizesse, se ele abandonasse os seus vícios deixaria de ser quem era e passaria a ser outro alguém.
Voltei a olhar para a chávena do café e perguntei a medo: "Também me vais deixar?". Ele riu-se.
Eu sei que todos os seus vícios lhe davam prazer, e sei que também era para isso que lhe servia, então tremi ao imaginar que seria abandonada como tudo o resto. De um lado eu e do outro o amarrotado maço de cigarros, Português Amarelo.
Juro que nunca quis afectar ninguém com as minhas propriedades altamente cancerígenas, mas ele tinha a boca mais irresistível, as veias e o coração mais quentes que alguma vez ousara queimar.
Levantei-me bruscamente, passei pelo fumo do seu último cigarro, entrecortando a linha ténue que este desenhava no ar. Ele seguiu-me contrariado com o passo lento e largo.
Sabia que ele tinha de partir e eu queria despedir-me convenientemente. No entanto, não conseguia tirar os olhos das pedras da calçada. Estava nervosa e inquieta.
Sentei-me nos degraus da entrada da igreja e ele sentou-se a meu lado. Observei-o. Não me estava a parecer que aquela forma de fumar anunciasse o fim desse metódico acto. Aquele cigarro jamais seria o último, era como outro qualquer. E mais uma vez a analogia surgiu na minha cabeça. Aquilo que estávamos ali a fazer, a razão pela qual nos havíamos encontrado, não era para nos despedirmos, aquilo não era a última vez que estávamos juntos, era outra ocasião em que sarcasticamente fingíamos seguir em frente, mas já os nossos corpos, os nossos olhos e os nossos corações afirmavam que iríamos ceder ao vício de nos amarmos mutuamente.
Então ele apagou o seu cigarro nas pedras da calçada, juntou o seu corpo ao meu, deu-me a mão, beijou-me a face, abraçou-me e eu deixei que uma lágrima escapasse.
Saiu dali tão depressa, e eu fiquei sentada nas escadas da igreja, onde ainda pairava o cheiro do cigarro apagado, e ao meu lado, no mesmo degrau, o maço rasgado de Português Amarelo.