Helena,
Porque atiraste as flores ao mar?
Porque te fizeste muda
Durante tantos séculos?
Roubar teu coração seria difícil.
Serena, não cantaste mais
Os encantos tais do teu amor.
Helena,
Eras esbelta e as tuas palavras
Incendiavam as salas
Onde pisavas com teus pés
O orgulho ferido dos homens que não podiam ter-te.
Vi-te um domingo
Sentada num banco
Cabisbaixa,
Olhando para o chão,
Imóvel, intacta
Quase estátua.
Chovia pesarosamente na tua cabeça
Farta de cabelos negros.
A chuva trespassava-te a alma
Gota a gota
Recordavas os teus pecados
Vezes e vezes sem conta
Passados a pente fino no teu pensamento.
Não falámos,
Fiquei mudo de paixão.
Onde estás tu agora?
Porque atiraste as flores ao mar,
E foste nadar nua de desejos?
Desejo ardente pela morte,
Que sem sorte nunca pôde colher-te.
És imortal Helena.
Não sais daqui.
Este mundo há-de engolir-te
E regurgitar-te em seguida,
E assim sucessivamente,
Neste ciclo sem fim.
Em tempos quiseste tudo,
Reluzias no mar alto,
Todos te desejavam,
Todos te admiravam,
E agora Helena?
Porque queres a bruma
E o frio da madrugada?
Porque queres ficar isolada
Nessa ilha de mágoa?
Porque atiraste as flores ao mar?
Porque foste encontrar em ti
O lado mais pesado
Desse olhar?
Vi-te num domingo,
Por entre as cordas de uma guitarra,
Gemendo,
Ao te encontrares
Entre o fio de uma navalha e o brilho do luar.
Não vês que és imortal?
Para sempre vais ser Helena.
Então, diz-me, porque atiraste tu as flores ao mar?
inspirado na "Helena Aquática" de Filho da Mãe.