
"Este vai ser o meu último cigarro" - Pensava ela ao aceitar da mão dele o calor vicioso.
Os olhos já estavam cansados de se encontrar, e a cumplicidade já estava terminada. 
Cuidaram bem um do outro, regaram-se de liquidos, cresceram de certezas e incertezas. 
A garganta estava irritada, de tanto fumo branco, de tanto fumo negro. 
Mas mesmo assim, pelo saborear do último cigarro. 
Em nome do último perder de vista aquilo a que chamava passado. 
E ao devolver-lhe o cigarro os dedos tocaram-se. E as mãos dele eram quentes, as mãos dela belas. 
Ao olhá-lo levando à boca o tabaco, chupando o fumo, engolindo-o, ela perdia-se naquilo que havia sido dito. 
Olhá-lo era divino. 
Mas a sua imagem desaparecia sempre quando ela desaparecia, por entre linhas e caminhos tão distantes que nem o horizonte conseguia atingir. 
Ele dá-lhe novamente o cigarro, quase terminado. 
Ela sente a saliva na ponta. 
Trava o fumo, como quem crava a alma de alguém na sua. 
E agora a imagem que ele representa estava gravada na sua mente, agora já não sai. 
Ele sorri. 
"Este foi o meu último cigarro." - Pensa ela ao pressionar o resto de cinza. 
Apaga a chama. Não fica nada. Agora é uma beata. 
Dão por si, olhando para o cinzeiro. 
Erguendo as cabeças incrédulos, olham-se triste e pausadamente. 
Levantam-se e abraçam-se incansavelmente. 
E nisto relembram-se com rapidez inigualavel das bocas, das peles, dos cabelos, do suor, do sémen, dos gritos, dos suspiros.
Como que em transe despertam.
E ele fica, na exactidão de mais uma noite perdida.
E ela vai, para mais um passeio à beira rio, onde já não se vê a lua.
A liberdade dispersa-se nos corações, e as mãos, as mãos já não existem. 
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