quarta-feira, 3 de novembro de 2010

16:9

Molhei-me.

Pus as mãos no parapeito para ver melhor,

Inclinei me sobre o precipício da rua,

Via todos, lá em baixo, viver repentinos

E vi-te passar.

Alta, esguia, branca.

O teu casaco preto esvoaçava com o passar dos carros,

Trazias nas mãos as luvas.

Devorei o cigarro, e atirei-o com destreza para o meio da rua.

Entro então em transe,

Vou seguir-te.

Agarro a minha mochila e o meu cachecol,

Desço as escadas do teatro,

Quase deixo cair uma senhora idosa

Que vinha sorrateiramente subindo

Agarrada ao corrimão dourado.

Dou três pulos, vou a voar até ti.

Chego à rua.

Um monte de miúdos hiperactivos por ali espalhados

Impedem-me a passagem.

Por momentos, quase penso que te perdi,

Mas vejo-te atravessar a estrada,

Determinada em chegar à outra margem.

Estou viciado em ti,

Nesses teus cabelos de cobre,

E não te quero para nada.

Sigo-te, no entanto.

O teu cheiro antigo

Demasiado doce,

Demasiado quente,

Instiga-me a perseguir-te.

Presa, presa

Não nos meus braços

Não na minha boca

Não na minha mente.

És presa do meu instinto demente,

És musa.

E nisto sobes a rua.

E sabes que te sigo.

Páras, subitamente.

E eu paro.

"Não te quero para nada" digo.

Viras-te para mim,

Como uma corrente forte de água e lama

Frio e sujo, sinto-me no chão.

Estás a chorar,

E eu não estava à espera.

"Não me queres para nada?" – perguntas-me.

Anuí.

"Então sou eu que te persigo,

De costas voltadas para ti,

No meu caminho íngreme e ingénuo?"

Desarmado estou,

E na tua simplicidade aproximas-te

Lacrimosa,

Abraças-me.

E num momento, estou sozinho, no meio da rua,

E estou livre da tua loucura.

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