Pus as mãos no parapeito para ver melhor,
Inclinei me sobre o precipício da rua,
Via todos, lá em baixo, viver repentinos
E vi-te passar.
Alta, esguia, branca.
O teu casaco preto esvoaçava com o passar dos carros,
Trazias nas mãos as luvas.
Devorei o cigarro, e atirei-o com destreza para o meio da rua.
Entro então em transe,
Vou seguir-te.
Agarro a minha mochila e o meu cachecol,
Desço as escadas do teatro,
Quase deixo cair uma senhora idosa
Que vinha sorrateiramente subindo
Agarrada ao corrimão dourado.
Dou três pulos, vou a voar até ti.
Chego à rua.
Um monte de miúdos hiperactivos por ali espalhados
Impedem-me a passagem.
Por momentos, quase penso que te perdi,
Mas vejo-te atravessar a estrada,
Determinada em chegar à outra margem.
Estou viciado em ti,
Nesses teus cabelos de cobre,
E não te quero para nada.
Sigo-te, no entanto.
O teu cheiro antigo
Demasiado doce,
Demasiado quente,
Instiga-me a perseguir-te.
Presa, presa
Não nos meus braços
Não na minha boca
Não na minha mente.
És presa do meu instinto demente,
És musa.
E nisto sobes a rua.
E sabes que te sigo.
Páras, subitamente.
E eu paro.
"Não te quero para nada" digo.
Viras-te para mim,
Como uma corrente forte de água e lama
Frio e sujo, sinto-me no chão.
Estás a chorar,
E eu não estava à espera.
"Não me queres para nada?" – perguntas-me.
Anuí.
"Então sou eu que te persigo,
De costas voltadas para ti,
No meu caminho íngreme e ingénuo?"
Desarmado estou,
E na tua simplicidade aproximas-te
Lacrimosa,
Abraças-me.
E num momento, estou sozinho, no meio da rua,
E estou livre da tua loucura.
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