quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Me Digo


Na luz sibilante da tarde, encostado a uma parede, enroscava-se no chão. Entre as linhas grossas do seu tronco branco, vagueavam parasitas. Atrás das suas orelhas os cabelos enrolavam-se em grossas postas. Cheirava a mijo e a vinho.
Em câmara lenta precipitou os beiços para a frente, e em contra-luz a saliva saiu da sua boca negra e podre, num fraco tossir. Brilhava a saliva ao sol, flutuando até cair na calçada. Pobre despido imundo, sobre um pedaço de cartão, suava como um porco da febre que tinha.
Acabara de acordar. O seu ventre encolhido da fome, secava. Então baixava a cabeça e encostava a boca ao chão, sorvendo dele alguma água que restava da chuva passageira. Com pouca firmeza meteu os pulsos no chão e esticou as pernas para se levantar.
Nas ruas da cidade, os restantes transeuntes apressavam-se para o jantar. Nas linhas que escreviam, arrastavam atrás de si um vento frio cortante, que quase deixava o pobre homem cair.
Seguindo pé ante pé lentamente, com as curvas do seu corpo em tons de óleo, sentia com as plantas as fissuras do alcatrão. Aqui e ali vislumbrava uma beata ou outra, menos gasta, para matar o vicio do fumo. Mas nada.
O sol já não embatia no prédios húmidos, e das bocas ofegantes saía agora uma fina nuvem de vapor.
Sentou-se na escadaria de uma igreja, observando o mundo à sua volta, crepitante. Os carros acendiam as luzes, um a um, até iluminarem as estradas.
Respirava lentamente, com fôlegos minúsculos, descompassados, na tentativa de recuperar forças anciãs para se deslocar até ao destino desejado.
Na praça apenas a água da fonte cantava. Olhando as estátuas que ali pararam, verdes e calcárias, sentia-se menos só. Pensava também ele um dia petrificar, sem dor, sem frio, sem medo.
Seguiu em frente, descendo a rua. Agarrando-se às paredes, às portas e aos postes. Os olhos cansados queriam-se fechar. Então engolia a saliva espessa, erguendo a cabeça e soltando os cabelos negros para trás. Com a mão trémula e enrugada tocava a cara suja.
Caminhou até chegar ao rio. Sentou-se na margem, ao lado de um barco frouxo e ferrugento. Despiu desajeitado a pouca roupa que tinha. Ali nu e magro, ficou na escuridão do cansaço.
Erguendo se uma última vez, chorou de dores, chorou de pânico. Chorou porque não sabia o que sentir, porque nunca desejara verdadeiramente aquela condição pagã a que se entregara há tantos anos, porque nunca pensara ansiar tantas coisas insignificantes quando aquele momento chegasse. Porque nunca pensou que quereria viver outra vez, e ser outra vez outro corpo, e outra vida, e outro homem.
Naquilo que é vazio não há fim, há uma infinita solidão, uma infinita tristeza. Nestes espíritos que vagueiam as cidades, não há esperança de que o turbilhão da vida passe por eles, porque morreram antes do último suspiro.
A alma daquele homem vagueia a cidade para sempre, porque ficou presa ao mundo antes de se libertar daquele corpo imundo.
Ás vezes, ao final dos dias, quando o sol desaparece e tudo se acalma, ás vezes, olho o rio e vejo-o, e ele vê-me, e diz-me coisas numa língua estranha, que não sei entender. Ás vezes, dispo-me com ele e ficamos à beira rio, à chuva. Ás vezes sou também eu um defunto sem alma. Ás vezes somos o silêncio do mundo e o tormento do fim.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Steadfast Peace

Once upon a time, while I was still in my early years of youth, and every rain drop was like a thrilling drop of poison to my soul, I’ve met you.

You were also young and strong in your body and beliefs, but your eyes always seem to show me some kind of desperate need.

So one morning, you’ve touched my hand, and I couldn’t leave you there.

We’ve cross the city under the storm, water in our eyes. We were crying and smiling together for our misbehave.

And I was feeling that I was saving you from monsters, like some kind of ancient heroine, but I realize that you took my hand too, you were running faster than me, maybe more determined. You saved me from the dark clouds that have been chasing me through years.

So we reach the sea, and stopped for a while in the warm sand. We lay down our bodies and touched each other so we could remember who we’ve loved.

And so our hearts came out of our chests, like octopuses they swam to the oceans of blue and deep waters to find the center of the earth and rest there in steadfast peace.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Rehab

Fall in love or fall in hate.
Get inspired or be depressed.
Ace a test or flunk a class.
Make babies or make art.
Speak the truth or lie and cheat.
Dance on tables or sit in the corner.
Life is divine chaos.
Embrace it.
Forgive yourself.
Breathe.
And enjoy the ride...

SB

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Rightfully

Feel it burning like a bomb raging a thousand summers grazing on your skin restlessly anticipating so many tiny things.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

"Eu queria ficar para sempre, mas não posso. Desculpem."

Então, devias serrar os punhos,
Levantar a pesada cabeça que carregas sobre os ombros,
Suster a tosse convulsa
E enfrentá-los.
Derrotar na terra
Aquilo que ela sozinha não consegue engolir.
O vómito seco que te sai
Quando não consegues dormir
Não te faz esquecer a presunção insultuosa
Que é este existir.
Então, devias abrir os olhos e nem sequer pestanejar
Viver à guarda sem desejares alcançar
O mesmo triunfo que eles.
A tua raiva é a tua honestidade,
O teu coração sucumbe à insanidade
E já não sabes controlar os teus impulsos mais trementes
Dormentes estão os teus músculos,
As tuas veias saltam ao vê-los passar.
Então, devias soltar esse grito de guerra,
Deixares a defesa e passares ao ataque.
Não digas que é por mim que não vais à luta
A tua disputa é também a minha.
Então devíamos morrer por esta causa
Mas a fome é mais que muita,
Por isso não erguemos as nossas pesadas cabeças
Que carregamos sobre os ombros,
Engolimos o ódio
Permanecemos no sufoco
De sermos nós lobos
Nestas peles de cordeiros
De sermos nós guerreiros
Nestas vestes de santos
De sermos nós tanto
Nesta terra de pouco.

domingo, 17 de outubro de 2010

Deep and primal yearning

I undressed you, with my eyes i have maybe even raped you in a dark and eerie corner of my mind. I tucked you there and touched you in a dream last night, pushed you aside when you entered my thoughts at the wrong time. I have sat up upon your lap and saddled my thighs around your hips like ropes. I rode you on a chair and in the shower and all the while i clung heavy to your back. My desire deeply harnessed in your spine. I'm riding recklessly though a thick and humid jungle growing anxious with the deep and primal yearning that stirs, deeply pulsing up toward the surface like sap rising or honey or tar.

CR

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Moloko

Vivaz o corpo que agarra o corpo

E a luz que têm no encontro

Suave e lentamente eloquentes

Os poros que tocam os poros

Os cabelos que se confundem

Nos tons despidos das peles

As mãos nos braços

A força violenta com que agarram

E marcam

Para agitar o outro corpo

Na garganta seca do fumo

Solta-se uma gargalhada funda

Breve

E com olhar ríspido e desconfiado

O outro corpo pára a caça

E está atento ao que se passa lá fora

Acordado daquele quadro mecânico

Encontra outro corpo quente

Agarrando a sua presa sente

Que está desarmado

E não larga o corpo

Encosta-o contra o seu

O calor persiste

Mas trementes

Engolem em seco

O medo

Corpo com corpo defendem-se

E na eminência da luta

Com o outro corpo desconhecido

Hesitam um momento

Suspirando aos ouvidos

E sem terror é o corpo rival que se precipita

Abrindo o frigorifico

Retirando o leite

E voltando para a cozinha.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Once upon a time...

There was a girl who talked to the geese
She understood them and they her
One day she looked into a crystal stream
And saw in its bed a diamond
She picked it up and placed it in her hair
As she did so she turned into a geese
It was then revealed that the other geese
She magically had understood
Were once human like her.

CC

sábado, 9 de outubro de 2010

Galeria

Olho para mim reflectida no outro lado do pátio
Por entre o desejo ardente e o deserto gelado.
Quem me persegue? Quem corre para me agarrar os cabelos
Para me fazer cair na areia cortante?
És tu? É ele? E o outro não veio também
atrás deste feitiço que me fizeram engolir?
E é tão falso esse feitiço por dentro não há nada.
Há um caos e um silêncio brando de tantas bocas
Que querem provar deste veneno.
E o silêncio mata
Como mata a falta que tenho de mim.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

E à noite, eu já não era homem sob o peso dos mortos

A: Cumpri a minha missão.

C: Cumpre a tua última.

A: Eu matei pela revolução.

C: Morre por ela.

A: Cometi um erro.

C: Tu és o erro.

A: Sou um ser humano.

C: O que é isso?