quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Monólogo da Intima

Os meus olhos estão cada vez mais cansados, e ardem.
Tento manter-me acordada.
A viagem é sempre longa, quando quero chegar até ti.
Não tenho vontade de pousar os pés no chão, de andar, de me esforçar no martírio que são estas escadas malditas.

Mantenho-me intacta. "Não me partas, não me forces a entrar na tua vida."

Abandono-me, dispo-me.
Visto outra pele, e até o meu cheiro muda, e é disso que gostas.

Vagueio na noite, entre bordeis e prisões.
Estou cansada deste passo altivo que finjo ter, desta postura dura e direita, da máscara que colo à cara, para agradar.

"Raios te partam. "
Assustas-me, tenho medo de te encontrar no virar da esquina, e acima de tudo tenho medo de te encontrar dentro de mim.

Bebo e bebo até cair, até rebolar nas minhas próprias palavras. Até arranhar os joelhos, até esfolar a cara no chão.

Ah, quero me libertar deste corpo! Desta alma que me aprisiona!
Nem sequer quero ser apenas uma Ideia, não quero que ninguém me pense,
E muito menos quero que me olhem!
"Parem! Já chega!"
Eu não sou eu
E não quero ser!
Quero ser Nada!

Calei-me, por instantes,
Já não ouço a minha voz irritante.
Corro até à casa de banho, olho-me ao espelho.
Quem é esta pessoa que vejo?
Arranjo o cabelo, sem sucesso. Respiro fundo, averiguo o meu estado
O meu corpo repleto de merda.

Saio dali, porque tem de ser, porque aquilo não dura sempre.
E para meu mal, encontro-te no fundo do corredor
Às escuras, e choras.

"Não tenho paciência...", digo-te. Mas tu agarras-me o braço,
E violento roubas-me um abraço que não quero sentir.
Fico sem palavras, fico sem fôlego, fico sem medo, fico sem mim.

Na escuridão daquela casa vamos aos trambolhões,
Tropeçando aqui e ali,
Naquela tábua, naquele corpo.
Nem sei como terminou esta guerra, mas tudo está deserto
Cheira a morto.

Não sei para onde me levas, não tenho lar para onde voltar
Não tenho pais, nem irmãos que me queiram abraçar.
Vou, perdida.
Vou, resignada, porque és a minha única opção.

Depois,
Cuido de ti, dou-te banho,
Dou-te dinheiro,
Dou-te amor,
Porque me salvaste daquela batalha,
Porque me limpaste as feridas,
E me mostraste que não preciso de máscara para sobreviver,
Para ser bonita.

Tenho uma divida para contigo,
Que não sei como terminar de pagar,
Porque achas que já estou curada,
E deixaste de me levar pela mão,
Ou ao colo,
Deixei de poder abafar as minhas mágoas no teu peito.
Deixei de ser a concubina eleita.
Deixei de ser eu.

Finalmente, tenho aquilo que quero,
Um corpo sincero onde cravar novas marcas.
Então num acto de sacrilégio entrego-me a ti.
E matas-me.

Um golpe aqui,
Um golpe ali,
Para não doer tanto.
Não há dor, és o que quero
És a morte que eu desejo.
E lenta, suave e delicadamente
Sou sangue e leite e mel
E suor e lágrimas.
E matas-me.

Matas-me.

Morri.

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